Suicídio: Estatísticas, Causas e Estratégias de Prevenção

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O suicídio permanece uma das principais causas de morte prematura em todo o mundo, embora continue a ser tratado como um tema incómodo, muitas vezes silenciado. Todos os anos, mais de 700 mil pessoas tiram a própria vida, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde. A dimensão deste número ganha ainda mais relevo quando se percebe que, para cada suicídio consumado, há pelo menos vinte tentativas. Ou seja, milhões de pessoas em sofrimento intenso, muitas vezes invisível, atravessam todos os anos a experiência de desejar pôr termo à própria existência. Apesar de se falar frequentemente num “ato individual”, o suicídio tem repercussões que ultrapassam largamente a pessoa que morre: cada vida perdida impacta profundamente famílias, amigos e comunidades inteiras, deixando marcas emocionais e sociais duradouras.

Ao contrário do que por vezes é proposto, não existe uma causa única que explique porque alguém decide morrer. O suicídio deve ser entendido como um fenómeno complexo e o resultado da interação de múltiplos fatores: de natureza psicológica, biológica, social, cultural e ambiental. Restringir o suicídio a uma simples explicação (“falta de fé”, “cobardia” ou “fraqueza”) não só desinforma, como agrava o estigma e o sofrimento daqueles que lutam diariamente contra pensamentos suicidas.

Motivos e dinâmicas que potenciam o suicídio

Entre os fatores mais consistentemente associados ao risco de suicídio estão as doenças mentais. Estima-se que mais de 90% das pessoas que morrem por suicídio tenham, no momento da morte, um diagnóstico de perturbação psiquiátrica, ainda que muitas vezes não reconhecido, nem tratado. A depressão, o transtorno bipolar, a esquizofrenia e as perturbações de ansiedade são exemplos de condições que podem aumentar drasticamente a vulnerabilidade e a propensão para pensamentos suicidas. A depressão, em particular, cria uma distorção cognitiva em que a pessoa acredita que o sofrimento será eterno e insuportável, e que a morte surge como única escapatória possível.

Mas os fatores não se esgotam na saúde mental. Experiências de trauma, abuso ou negligência na infância constituem alicerces de fragilidade psicológica que podem permanecer ao longo da vida. Perdas recentes, como o fim de uma relação, o desemprego ou a morte de alguém próximo, podem atuar como gatilhos adicionais. O isolamento social, a discriminação, a pobreza, o endividamento e a exclusão cultural são igualmente variáveis que pesam de forma cumulativa. A tudo isto soma-se o papel dos contextos em que sociedades que estigmatizam a vulnerabilidade ou que banalizam a violência tendem a criar ambientes mais propícios ao desespero.

Psicologia dos pensamentos suicidas

Compreender o que se passa na mente de alguém que pensa em morrer é essencial para desenvolver estratégias eficazes de prevenção. Os pensamentos suicidas não surgem, na maioria dos casos, de forma súbita ou irracional. Eles desenvolvem-se gradualmente, alimentados por um processo psicológico específico que consiste num estreitamento da visão do futuro. Ou
seja, a pessoa sente que perdeu todas as alternativas, que não existe saída possível, que qualquer tentativa de resistir está condenada ao fracasso.

O psicólogo Thomas Joiner propôs uma das teorias mais influentes para explicar o suicídio, a teoria interpessoal. Segundo este modelo, três elementos principais convergem: (1) o sentimento de pertença frustrada (a perceção de não estar conectado a ninguém de forma significativa), (2) a ideia de ser um fardo para os outros (crença de que a própria existência prejudica quem está à volta) e (3) a capacidade adquirida para morrer (que resulta da exposição repetida à dor, à violência ou a comportamentos auto-lesivos, tornando a morte menos assustadora). Quando estes três fatores coexistem, o risco de suicídio aumenta substancialmente.

Este quadro ajuda a perceber porque razão nem todas as pessoas deprimidas tentam suicídio e, em contrapartida, porque algumas com poucos sintomas depressivos podem fazê-lo. O suicídio não se resume somente à tristeza. Abrange igualmente outros conceitos como a desesperança, o isolamento e a perda da capacidade de imaginar um futuro suportável.

Fatores de risco e fatores de proteção

Quanto aos fatores de risco, é possível enumerar (1) o histórico de tentativas anteriores (o preditor mais forte de uma nova tentativa), (2) o consumo abusivo de álcool ou drogas, (3) a impulsividade, (4) o histórico familiar de suicídio, (5) a presença de doença mental não tratada e (6) o acesso facilitado a meios letais, como armas de fogo ou pesticidas. Grupos sociais estigmatizados (como pessoas LGBTQIA+, refugiados, idosos isolados ou profissionais expostos a elevado stress) enfrentam igualmente riscos acrescidos.

No entanto, do mesmo modo que existem riscos, também existem fatores de proteção que contribuem substancialmente para a redução da probabilidade de uma tentativa de suicídio, como (1) as relações de apoio, (2) uma rede comunitária sólida, (3) a integração em contextos significativos (família, escola, trabalho, grupos de pertença), (4) o acesso a cuidados de saúde mental de qualidade e (5), em muitos casos, a prática de espiritualidade positiva. Estes fatores de proteção não eliminam o sofrimento, mas criam uma almofada psicológica que permite enfrentar momentos críticos com maior resiliência.

Terapia clínica: ferramenta essencial de prevenção

O suicídio é prevenível. Esta é talvez a mensagem mais importante a transmitir. Intervenções relativamente simples, implementadas em larga escala, têm mostrado eficácia. A nível comunitário, a educação em saúde mental é fundamental e, neste âmbito, quanto mais cedo se reconhecem os sinais de alerta, maior a probabilidade de intervenção preventiva. Este tipo de sinais podem incluir mudanças bruscas de comportamento, isolamento repentino ou frases que transpareçam sintomas de desesperança (“não aguento mais”, “a vida não faz sentido”).

Programas que limitam o acesso a meios letais também têm impacto significativo. Neste contexto, alguns países restringiram o uso de pesticidas letais ou implementaram medidas rigorosas de controlo de armas de fogo e, consequentemente, registaram reduções drásticas nas taxas de suicídio. Linhas de apoio telefónicas e plataformas digitais de crise provaram ser recursos valiosos, ao proporcionar uma escuta ativa, informação e encaminhamento imediato para serviços especializados. Porém, nenhuma medida comunitária substitui a importância do acesso universal e célere a cuidados de saúde mental. Investir em psicólogos e/ou psiquiatras é investir diretamente na redução das mortes por suicídio.

Assim, no coração da prevenção está a terapia clínica. Longe de ser um luxo, o acompanhamento psicológico é uma ferramenta vital para qualquer pessoa que enfrente pensamentos suicidas. Abordagens baseadas em evidências científicas, como a terapia cognitivo-comportamental (TCC), a terapia dialética comportamental (DBT) e as terapias de aceitação e
compromisso (ACT), demonstraram eficácia na redução da ideação suicida e no fortalecimento de competências de regulação emocional. A terapia cria um espaço seguro para que a pessoa possa falar sobre pensamentos que, de outro
modo, ficariam escondidos pelo medo do julgamento. Ao trazer o sofrimento à superfície, abre-se uma janela de oportunidade para identificar e desconstruir padrões cognitivos distorcidos e para desenvolver novas estratégias de
recuperação da perceção de que existem alternativas.

Importa insistir: falar sobre suicídio não aumenta o risco. Pelo contrário, quanto mais espaço houver para expressar a dor sem medo de represálias, maior a possibilidade de salvar vidas. O silêncio é o verdadeiro inimigo.

Considerações finais

O suicídio é uma realidade dura e complexa, mas não se trata de um destino inevitável. Cada número representa uma vida perdida, mas também uma oportunidade de prevenção que falhou. Ao compreender os fatores que o alimentam, ao reconhecer os sinais de alerta e ao investir em sistemas de apoio adequados, é possível reverter trajetórias de desespero. Mais do que nunca, é necessário reafirmar que procurar ajuda não é sinal de fraqueza, mas sim de coragem. A terapia clínica deve ser vista como uma ferramenta de cuidado essencial, tão necessária como qualquer outro tratamento de saúde. Prevenir o suicídio é, em última análise, um compromisso coletivo com a dignidade humana e com a preservação da vida.

Se você ou alguém próximo de si estiver em sofrimento, lembre-se: não está sozinho/a. Existem serviços confidenciais de apoio imediato:
SNS 24: 808 24 24 24 (linha de aconselhamento em saúde, disponível 24h/dia);
Voz de Apoio: 225 50 60 70 (linha confidencial para situações de crise emocional);
SOS Voz Amiga: 213 544 545 / 912 802 669 / 963 524 660 (disponível todos os dias).
Pedir ajuda é um ato de coragem. Falar pode salvar vidas, a sua e a de quem está ao seu lado. Caso se identifique, de alguma forma, com este texto e acredite precisar de apoio psicoterapêutico, marque a sua consulta aqui.

Referências bibliográficas
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